lunes, 22 de septiembre de 2014

A ARTE DE SER FELIZ - Reflexões sobre uma crônica de Cecília Meireles

      

     Ao longo de nossas vidas, nós, os seres humanos, vivemos correndo atrás da "felicidade", mas onde ela realmente estará? Como correr atrás do vento ou perseguir um arco-íris ou como borboletas que revoluteiam de flor em flor, a felicidade parece isso: uma nuvem que esvoaça, algo efêmero como um raio de sol em dia de primavera. Muitas pessoas relacionam o conceito de "felicidade" com momentos de euforia, de alegria exacerbada como a sensação de estar divertindo-se em uma festa. Outros, a relacionam com intensas emoções humanas como a alegria de ver o seu time predileto ganhar a partida!  Outros ainda a relacionam com aquela experiência sublime de um "momento mágico", como a sensação de gotas de orvalho em nossa cabeça como tocados pela mão do próprio Deus. Eis a questão: como defini-la? Neste belíssimo fragmento, Cecília Meireles mais do que preocupar-se em definir a felicidade, ela relata aquilo que a faz sentir-se "completamente feliz", revelando o segredo desta arte.


A arte de ser FELIZ

Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde,
e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.

Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Às vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.


*      *      *


         Passado "aquele pequeno instante de aceleradas batidas cardíacas", os seres humanos voltam à sua rotina, ao seu estado de constante melancolia, à sua rotina habitual. Como observamos,  a autora busca nas pequenas coisas da vida o sentido de seu "sentir-se feliz". Tanto os elementos da natureza como os animais e seu comportamento e a interação destes são a razão da sua busca: a harmonia do universo lhe traz essa paz!

      Parece que para Meireles sua verdadeira felicidade não está relacionada simplesmente à alegria ou à euforia, senão à paz de espírito, projetada na harmonia exterior de seu meio, feito poesia. Ela se realiza em uma visão contemplativa da vida, valorizando-a em seus mínimos detalhes. Mas, para isso, é preciso  "aprender a olhar", aprender a valorizar os pequenos detalhes da vida, verdadeiros presentes de Deus para o homem.

         Para a autora tudo isso representa uma visão muito pessoal algo, só visto através  das "suas janelas", e somente delas: tudo depende de sua nova forma de observar as coisas. Eis o segredo: a felicidade está escondida tão somente em sua forma de olhar, nos olhares. Por isso que diz que ser "feliz é uma arte" e deve-se ter talento para vislumbrá-la. É preciso um pouco de arte para isto, para contemplar a poesia das coisas,  o sentimento da vida escondido em cada gesto cotidiano;em suma: a poesia de Deus ao criar o mundo.




"Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste: sou poeta" - 

(Motivo) Cecília Meireles.






CECÍLIA MEIRELES

 (7/11/1901 - 9/11/1964)



  • Foi poetisa, professora, pedagoga, jornalista e pintora brasileira;
  • Representa a primeira voz feminina de grande expressão na literatura brasileira, com mais de 50 obras publicadas;
  • Com 18 anos, estreia na literatura com o livro "Espectros";
  • Seus poemas encantam leitores de todas as idades;
  • Foi galardoada com o prêmio "Machado de Assis" pelo conjunto de sua obra;
  • Sua poesia foi traduzida a vários idiomas.






2 comentarios:

Unknown dijo...

"Sólo con el corazón se puede ver bien, los esencial es invisible a los ojos" El Principito :)

Pablito Andrade dijo...

Perfecto, Gina, tenía yo que haber añadido esta frase a mis comentarios. Gracias por tu participación, siempre bienvenida :D