"LÍNGUA PORTUGUESA:
ÚLTIMA FLOR DO LÁCIO, INCULTA E BELA"
ÚLTIMA FLOR DO LÁCIO, INCULTA E BELA"
Para o “Café com Letras” deste mês escolhemos o poema “Língua
Portuguesa” do poeta parnasiano brasileiro
Olavo Bilac (1865-1918). Agora que no Brasil, começa oficilamente a primavera, nada mais
apropriado que um poema em homenagem a nossa língua materna: "última flor
do Lácio".
BILAC - O PRÍNCIPE DOS POETAS BRASILEIROS
Olavo Brás Martins dos
Guimarães Bilac, além de poeta, foi professor de pedagogia, inspetor escolar,
conferencista e membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Em 1907, foi
eleito o “Príncipe dos poetas brasileiros” e junto a Alberto de Oliveira e
Raimundo Correia formaram a maior liderança e expressão do Parnasianismo
brasileiro, movimento literário que reagia contra os abusos sentimentais do
romantismo, em prol da "arte pela arte" e da perfeição estética. Com
forte sentimento patriótico é também autor do “Hino à Bandeira”. Segundo o próprio Bilac, “A pátria não é a raça, não é
o meio, não é o conjunto dos aparelhos econômicos e políticos: é o idioma
criado ou herdado pelo povo”.
LÍNGUA
PORTUGUESA
Última flor do Lácio, inculta e
bela,
És a um tempo, esplendor e
sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos
vela…
Amo-te assim, desconhecida e
obscura,
Tuba de alto clangor, lira
singela,
Que tens o trom e o silvo da
procela
E o arrolo da saudade e da
ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu
aroma
De virgens selvas e de oceano
largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”
E em que Camões chorou, no exílio
amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem
brilho!
Bilac, Olavo (1964). Poesias.
Rio de janeiro: Livraria Francisco Alves, 262.
Vocabulário:
Ganga: Parte metálica que forma a massa
principal de um minério.
Clangor: Som de trombeta.
Trom: Som do canhão.
Procela: Tormenta, tempestade.
Arrolo: Canção de ninar. Canto para
adormecer as crianças.
Viço: Vigor, força vegetativa das
plantas.
Agreste: do campo, rústico e rude.
INCULTA E BELA
Este soneto é um canto de homenagem a um dos mais belos idiomas neolatinos:
a nossa língua-pátria. A Língua Portuguesa também inspirou outros poemas com a
mesma temática como é o caso do poema “Língua” de Gilberto Mendonça e “Língua Portuguesa” de Caetano Veloso. Como
pudemos observar o poema está recheado de palavras rebuscadas o que dificulta a
interpretação à primeira vista. Vamos interpretá-lo?
No poema (1º verso), a Língua
Portuguesa é chamada de “última flor do Lácio”, pois foi a última língua neolatina a ser formada e a adquirir o “status” de idioma
a partir do latim vulgar, sua língua de origem, que era apenas falado (daí a
expressão "inculta"). E era falado na região que circunda Roma
chamada Lácio.
Em todo o poema nota-se um
paralelo entre o “latim” e o “português”, entre a língua portuguesa e
referências brasileiras ("aroma de virgens selvas"). Por outro lado,
o poema mostra que essa língua possui, ao mesmo tempo, qualidades
contraditórias entre si: é inculta e ao mesmo tempo bela; é ouro, mas também
"impura" (por conter resíduos inaproveitáveis do minério). Paradoxos
como este acompanham todo o poema – esta é uma figura muito recorrente.
Ao mencionar “esplendor e
sepultura” (2º verso) refere-se a esta fase de transformação ou o desabrochar da
nova língua que estava se formando, e expandindo-se enquanto que o latim ia desaparecendo.
O autor ao referir-se a esse processo de passagem no 3º verso, se refere ao português
como uma língua que ainda não tinha sido lapidada e que precisava ser moldada
se comparada a outras línguas já formadas a partir do latim como era o caso do
italiano e do francês por exemplo, que se formaram primeiro.
No primeiro terceto, quando diz.
'Em que da voz materna ouvi: “meu filho” ' refere-se à língua de nossos pais,
ou mais especificamente da mãe (quem ensina o filho a falar), expressão esta um
tanto quanto sentimentalista – característica que fugia um pouco aos ideais
parnasianos que reagiam contra a emotividade romântica.
Por fim, Bilac faz uma alusão a
Camões, autor de “Os Lusíadas”, a maior epopeia da Língua Portuguesa, onde se
retratam os feitos gloriosos das grandes navegações, escrita no exílio do autor
nas colônias portuguesas de África e Ásia. Tal é a importância de Camões para a
língua portuguesa, que 10 de junho (1580), o dia de seu falecimento, foi
escolhido para comemorar o "Dia da língua portuguesa".
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