martes, 23 de septiembre de 2014

INCULTA E BELA





"LÍNGUA PORTUGUESA: 
ÚLTIMA FLOR DO LÁCIO, INCULTA E BELA"


 

Para o “Café com Letras” deste mês escolhemos o poema “Língua Portuguesa” do poeta parnasiano brasileiro  Olavo Bilac (1865-1918). Agora que no Brasil, começa oficilamente a primavera, nada mais apropriado que um poema em homenagem a nossa língua materna: "última flor do Lácio".

BILAC - O PRÍNCIPE DOS POETAS BRASILEIROS
  

 Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, além de poeta, foi professor de pedagogia, inspetor escolar, conferencista e membro fundador da Academia Brasileira de Letras. Em 1907, foi eleito o “Príncipe dos poetas brasileiros” e junto a Alberto de Oliveira e Raimundo Correia formaram a maior liderança e expressão do Parnasianismo brasileiro, movimento literário que reagia contra os abusos sentimentais do romantismo, em prol da "arte pela arte" e da perfeição estética. Com forte sentimento patriótico é também autor do “Hino à Bandeira”. Segundo  o próprio Bilac, “A pátria não é a raça, não é o meio, não é o conjunto dos aparelhos econômicos e políticos: é o idioma criado ou herdado pelo povo”.


LÍNGUA PORTUGUESA                

Última flor do Lácio, inculta e bela,
És a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela…

Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da  voz materna ouvi: “meu filho!”
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

Bilac, Olavo (1964).  Poesias. Rio de janeiro: Livraria Francisco Alves, 262.  


Vocabulário:

Ganga: Parte metálica que forma a massa principal de um  minério.
Clangor: Som de trombeta.
Trom: Som do canhão.
Procela: Tormenta, tempestade.
Arrolo: Canção de ninar. Canto para adormecer as crianças.
Viço: Vigor, força vegetativa das plantas.
Agreste: do campo, rústico e rude.


INCULTA E BELA


                Este soneto é um canto de homenagem a um dos mais belos idiomas neolatinos: a nossa língua-pátria. A Língua Portuguesa também inspirou outros poemas com a mesma temática como é o caso do poema “Língua” de Gilberto Mendonça e  “Língua Portuguesa” de Caetano Veloso. Como pudemos observar o poema está recheado de palavras rebuscadas o que dificulta a interpretação à primeira vista. Vamos interpretá-lo?
                No poema (1º verso), a Língua Portuguesa é chamada de “última flor do Lácio”, pois foi a última língua neolatina  a ser formada e a adquirir o “status” de idioma a partir do latim vulgar, sua língua de origem, que era apenas falado (daí a expressão "inculta"). E era falado na região que circunda Roma chamada Lácio.
                Em todo o poema nota-se um paralelo entre o “latim” e o “português”, entre a língua portuguesa e referências brasileiras ("aroma de virgens selvas"). Por outro lado, o poema mostra que essa língua possui, ao mesmo tempo, qualidades contraditórias entre si: é inculta e ao mesmo tempo bela; é ouro, mas também "impura" (por conter resíduos inaproveitáveis do minério). Paradoxos como este acompanham todo o poema – esta é uma figura muito recorrente.

                Ao mencionar “esplendor e sepultura” (2º verso) refere-se a esta fase de transformação ou o desabrochar da nova língua que estava se formando, e expandindo-se enquanto que o latim ia desaparecendo. O autor ao referir-se a esse processo de passagem no 3º verso, se refere ao português como uma língua que ainda não tinha sido lapidada e que precisava ser moldada se comparada a outras línguas já formadas a partir do latim como era o caso do italiano e do francês por exemplo, que se formaram primeiro.
                No primeiro terceto, quando diz. 'Em que da voz materna ouvi: “meu filho” ' refere-se à língua de nossos pais, ou mais especificamente da mãe (quem ensina o filho a falar), expressão esta um tanto quanto sentimentalista – característica que fugia um pouco aos ideais parnasianos que reagiam contra a emotividade romântica.

                Por fim, Bilac faz uma alusão a Camões, autor de “Os Lusíadas”, a maior epopeia da Língua Portuguesa, onde se retratam os feitos gloriosos das grandes navegações, escrita no exílio do autor nas colônias portuguesas de África e Ásia. Tal é a importância de Camões para a língua portuguesa, que 10 de junho (1580), o dia de seu falecimento, foi escolhido para comemorar o "Dia da língua portuguesa".

No hay comentarios: