lunes, 22 de septiembre de 2014

ERA UMA VEZ UM SONHO - Homenagem póstuma à ARIANO SUASSUNA, "O Cavaleiro do Sertão"

             

Tenho duas armas para lutar contra o desespero, a tristeza e até a morte: o riso a cavalo e o galope do sonho. É com isso que enfrento essa dura
 e fascinante tarefa de viver"
 (Em "A Pedra do Reino")



"Perdemos um grande poeta. Perdemos um grande romancista. E perdemos, acima de tudo, um grande professor de ternura e da simplicidade humana"(Ricardo Barberena, professor da PUC-RS)




-  Morreu Suassuna? E como foi isso?
- "Não sei, só sei que foi assim..." (bordão do personagem Chicó - "O Auto da Compadecida")




                Pois é, Chicó, foi trágico seu falecimento; contudo, nós do "Café com LetraZ" sabemos informar como foi. Ariano morreu no dia 23.07 deste ano no Real Hospital Português no Recife, vítima de uma acidente vascular cerebral (AVC), caiu em coma e passou a respirar com a ajuda de aparelhos. Após sua morte, foi sepultado no Cemitério Morada da Paz em Paulista (Recife).

                A origem de "Suassuna"?

            A respeito da origem de seu nome temos uma explicação patriótica:  depois da independência do Brasil (7 de setembro de 1822) e aproveitando o tema da nova pátria juvenil houve uma moda nacionalista no Brasil de adotar nomes indígenas. Assim, o bisavô de Ariano escolheu  o nome "Suassuna" (cuja origem vem do Tupi), vocábulo que também designava o nome de um riacho local.

        DE CALVINISTA A CATÓLICO



                Teve uma formação o que se poderia dizer de "eclética", cursou o “Ginasial” no renomado Colégio Americano Batista e o “Colegial” (Ensino Médio) no Ginásio Pernambucano. Formou-se em Direito e posteriormente em Filosofia. Mas ainda na faculdade,  não conteve sua veia artística o que acabou resultando na fundação  do “Teatro do Estudante” em Pernambuco.
                Assim, era calvinista de formação (de igual modo  também o era o recentemente falecido presbiteriano Rubem Alves); posteriormente, se tornou agnóstico até converter-se ao catolicismo  cujos princípios marcariam sua obra - basta lembrar-nos da temática central do "Auto da Compadecida".



                              Suassuna: poeta, dramaturgo e romancista




                Como veremos cultivou os três gêneros literários a despeito de se declarar um "escritor de poucos livros e poucos leitores". De 1958 a 1979 dedicou-se somente à prosa; de forma geral, entre suas obras mais destacadas temos:
- "Uma mulher vestida de sol" (1947) -primeira obra teatral  que lhe rendeu o "Prêmio Nicolau Carlos Magno"; "Cantam as harpas de Sião ou o Deserto de Princesa", (1948); "Auto de João da Cruz" (1950); "O Auto da Compadecida" (1955) que o projetou  em todo o país além de ter sido adaptada para a televisão e posteriormente formatada para o cinema; "A pena e a Lei"  (1955) - premiado no Festival Latino-americano de Teatro; "O Santo e a Porca - O Casamento suspeitoso" (1958); ; "A Pedra do Reino" (1958); "O Homem da vaca e o poder da fortuna" (1959);  "A farsa da boa preguiça"  (1960), "A Caseira e a Catarina" (1961); "O príncipe do Sangue Vai-e-volta" (1971); "História dÓ Rei Degolado nas Caatingas do Sertão / Ao Sol da Onça Caetana" (1976) - romance armonial popular brasileiro.

                UN NACIONALISTA, UN DEFENSOR DE NOSSA CULTURA POPULAR




                "Não troco meu 'oxente' pelo 'Ok' de ninguém" - com essa frase, Ariano expunha seu exacerbado espírito nacionalista, além disso era conhecido por defender nossa cultura e nossos valores nativos de "invasões estrangeiras", culturalmente falando. Também ficou famoso por se revelar um privilegiado professor, rodando todo o país com suas aulas-espetáculo (misto de palestra, concerto e espetáculo de dança); dissecava assim, com graça de palhaço, a cultura brasileira, suas origens ibéricas, a tradição dos violeiros, dos cantadores, dos cordéis, das rabecas, exibindo toda a sua erudição e fervor por nossas raízes... 



               Cativava as multidões quando pintava um reino "onde pingos prateados brilhavam ao sol". Já nos idos anos 70, fundou o Movimento Armorial e toda a sua obra gira em torno desse ideal. Por tudo isso, o escritor apresentava-se como um defensor ufanista da cultura popular brasileira contra a colonização cultural norte-americana.  Era opositor do "maracatu eletrônico" e se recusava, por exemplo a chamar Chico Science (vocalista da Nação Zumbi) pelo nome artístico,  assim o chamava de "Chico Ciência" - o que lhe rendeu o rótulo de xenófobo.


                MÉRITOS E CURIOSIDADES DO  "CAVALEIRO DO SERTÃO"



·         Suas obras foram traduzidas para o inglês, francês, espanhol, alemão, holandês, italiano e polonês projetando-o no panorama internacional.
·          Também foi membro da Academia Paraibana e Pernambucana de Letras além de ser nomeado para a cadeira nº 35 da Academia Brasileira de Letras em 2002.
·         Foi galardoado com o título de "Doutor Honoris Causa" por várias universidades nordestinas como a Universidade do RN, Universidad de PE, Passo Fundo e pela Universidade Federal do CE.
·         Foi veemente homenageado de norte a sul do país, no ano de 2007, em ocasião de seus 80 anos, pela grandiosidade de seu trabalho. Como odiava avião, porém tinha de valer-se dele para poder atender a todos os compromissos e homenagens a ele prestadas brincava: "Se eu soubesse que chegar aos 80  anos daria tanto trabalho, teria ficado nos 79".
·         De família de veias também políticas, assumiu  em 2007 a Secretaria  de Cultura de Pernambuco a convite  do então governador (e recentemente falecido candidato à presidência) Eduardo Campos. Igualmente falando de morte, o assassinado de seu pai e também político, João Suassuna, ocupou uma posição de destaque propulsando ainda mais sua inquietação criadora.



              
               Uma das paixões de Suassuna era a obra do basco Miguel de Unamuno.  O escritor espanhol afirmava que os homens vivem juntos, porém cada um morre sozinho: "A morte é a suprema solidão". Contudo, a morte de Suassuna não foi solitária, mesmo porque no mesmo mês  perdemos também dois igualmente grandes ícones do cenário literário nacional: Rubem Alves (tema do "Café com LetraZ" do mês de agosto) e a João Ubaldo Ribeiro (ocupante da cadeira 34 da ABL - Academia Brasileira de Letras). "Você não morreu sozinho não, morremos todos nós" - resposta do bispo à Lampião - O Auto da Compadecida)


               De Suassuna,  o que nos resta agora, além de seus livros são:  sua ideologia humanista de raízes católico-calvinistas - a "pedagogia da partilha dos sonhos humanos" e a rememorável lembrança de seu sorriso... Certamente, neste exato instante estará  nas regiões etéreas e (se é que foi absolvido no "juízo celestial" como ele mesmo imaginava), estará junto a seus companheiros de trabalho que lhe influenciaram sobremaneira, como foram: Cervantes, Planto, Unamuno, João Grilo Chicó, Eurico e todos os outros personagens da literatura de Cordel. Lá do alto, nos acenará e, cá nos despedimos dele em grande estilo com seu poema debutante no mundo das artes e das letras.



Noturno[1]





Têm para mim Chamados de outro mundo
as Noites perigosas e queimadas,
quando a Lua aparece mais vermelha
São turvos sonhos, Mágoas proibidas,
são Ouropéis antigos e fantasmas
que, nesse Mundo vivo e mais ardente
consumam tudo o que desejo Aqui.

Será que mais Alguém vê e escuta?

Sinto o roçar das asas Amarelas
e escuto essas Canções encantatórias
que tento, em vão, de mim desapossar.

Diluídos na velha Luz da lua,
a Quem dirigem seus terríveis cantos?

Pressinto um murmuroso esvoejar:
passaram-me por cima da cabeça
e, como um Halo escuso, te envolveram.
Eis-te no fogo, como um Fruto ardente,
a ventania me agitando em torno
esse cheiro que sai de teus cabelos.

Que vale a natureza sem teus Olhos,
ó Aquela por quem meu Sangue pulsa?

Da terra sai um cheiro bom de vida
e nossos pés a Ela estão ligados.
Deixa que teu cabelo, solto ao vento,
abrase fundamente as minhas mãos...

Mas, não: a luz Escura inda te envolve,
o vento encrespa as Águas dos dois rios
e continua a ronda, o Som do fogo.

Ó meu amor, por que te ligo à Morte?




Frases  célebres de Suassuna


" Vivo extraviado em meu tempo por acreditar em valores que a maioria julga ultrapassados. Entre esses, o amor, a honra e a beleza que ilumina caminhos da retidão, da  superioridade moral, da elevação, da delicadeza, e não da vulgaridade dos sentimentos"

"A massificação procura baixar a qualidade artística para a altura do gosto médio. Em arte, o gosto médio é mais prejudicial do que o mau gosto... Nunca vi um gênio com gosto médio"

"...que é muito difícil você vencer a injustiça secular, que dilacera o Brasil em dois países distintos: o país dos privilegiados e o país dos despossuídos"




"Jesus às vezes se disfarça de mendigo para testar a bondade dos homens"  (O Auto da Compadecida)
"É tanta qualidade que exigem para dar emprego que não conheço um patrão com condição de ser empregado" (João Grilo - "O Auto da Compadecida")

"Matar padre dá um azar danado principalmente para o padre" (O Auto da Compadecida)
"A gente tem uma tendência a acreditar que não morre"





[1] O poema "Noturno" foi publicado no Jormal do Commercio do Recife, dia 7 de outubro de 1945.

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